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Foto do escritorJéssica Milato

Férias de uma workaholic


Hoje é 20 de dezembro.

Meu primeiro dia oficial de férias desde... 2014.

Isso dá o quê? Dez anos?

Uma década sem saber o que é parar, sem um mês inteiro livre para não pensar em trabalho, prazos, reuniões.

Dez anos sem experimentar o silêncio de um WhatsApp Business desligado.

Eu deveria estar eufórica.

Deveria, mas estou... perdida.

Acordei cedo, por hábito, claro. Tomei café, sentei na frente do computador e, por um breve momento, esqueci que estava de férias.

Meus dedos já estavam no teclado quando lembrei: “Ah, não! Eu não preciso trabalhar hoje.”

E aí começou o dilema. O que faço agora?

A lógica diz que deveria descansar. Ver séries acumuladas, ler um livro, talvez até organizar o armário — porque, convenhamos, sempre tem um armário precisando de atenção.

Mas minha mente, essa velha conhecida inquieta, tem outros planos.

“Você podia adiantar aquela demanda”, ela sussurra, sedutora, enquanto tento ignorar as notificações que chegam ao celular.

Adiantar, veja só.

Como se o propósito de tirar férias fosse se preparar para a volta ao trabalho, e não descansar de verdade.

Férias para quem ama o que faz — ou, talvez, quem se habituou a amar o excesso — é um território estranho.

É como visitar um país onde você não fala o idioma, não conhece os costumes, mas precisa ficar lá por um tempo. Sem mapa, sem guia.

Passei o primeiro dia tentando ser produtiva de maneiras menos óbvias.

Organizei a gaveta de meias, limpei o histórico do navegador (sim, isso é algo que pessoas perdidas nas férias fazem). À noite, decidi assistir a um filme. Escolhi um drama que terminou com lágrimas. Não sei se chorei pela história ou pelo fato de que estava chorando porque tinha tempo pra isso.

No segundo dia, veio a epifania: e se eu realmente... descansar? Não fazer nada por algumas horas. Parece tão simples, mas, para um workaholic, é assustador. Tentei. Deitei na cama, fechei os olhos e esperei o tal “relaxamento” acontecer.

A única coisa que aconteceu foi uma lista mental de tarefas que não preciso fazer agora.

No terceiro dia, me desafiei: “Hoje você vai fazer algo que não envolva nenhuma forma de produtividade.” Então fui ao lago. Levei um livro na bolsa (porque, claro, não consigo simplesmente existir sem uma tarefa). Mas, para minha surpresa, sentei no banco e passei boa parte do tempo olhando a água.

O som do lago fez algo em mim. Algo que trabalho nenhum jamais fez.

As férias, percebo, são uma coisa curiosa. É um tempo que você dá para si mesmo, mas que, se não prestar atenção, acaba usando para correr em círculos dentro da própria mente. É quase como reaprender a ser humano, a habitar o corpo além do piloto automático.

Hoje é 22 de dezembro, e acho que estou começando a entender.

Não preciso planejar cada dia como planejo um projeto.

Não preciso “usar bem o tempo”, porque férias não são sobre usar o tempo, mas desperdiçá-lo sem culpa.

Talvez eu assista a uma maratona de filmes antigos.

Talvez leia aquele livro enorme que está na estante há anos. Ou, quem sabe, simplesmente passe horas olhando para o teto, deixando os pensamentos vagarem.

O mais engraçado de tudo isso é que, ao me perder nessas férias, posso acabar me encontrando. Afinal, por que trabalhar tanto, senão para aprender a aproveitar os intervalos? Por que amar tanto o que faço, senão para que o “não fazer” também seja uma parte essencial do que sou?

É cedo para dizer que me tornei uma especialista em férias.

Mas já sei que, no fim dessas semanas, terei aprendido algo valioso: que o mundo não para porque você parou.

E que, às vezes, a melhor maneira de ser produtivo é se permitir descansar.


 

Texto escrito no dia 22/12.

Aposto que amanhã terei outra visão das férias, já que irei para a praia - e fala sério, quem é triste na praia?

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